Procura

segunda-feira, 31 de março de 2014

Conversar é uma forma de amar



Conversar é uma forma de amar

O diálogo foi uma das questões mais importantes no surgimento da filosofia. Serviu de modelo teórico de uma ação prática. Platão, na antiguidade clássica, usou-o como estilo para mostrar que a filosofia dependia da conversação. Ele queria mostrar que ela não era uma teoria isolada das relações humanas. Que nascia da diferença do pensamento de cada um que entrava em contato com o pensamento de outro. Chegou a dizer que o pensamento era o diálogo da alma consigo mesma num sentido muito próximo do “falar com os próprios botões” que conhecemos tão bem. Pensar era uma questão de linguagem. O pensamento precisava das palavras, da gramática, da língua, do imaginário, do mito, para se expressar e, por isso, o cuidado com a escolha e o uso de todos estes elementos era tão essencial.

Da conversação é que surgem todas as nossas relações sociais: desde a família até as decisões políticas, passando pela amizade e pelo amor. É porque não sabemos que a arte da conversa é muito mais do que a mera persuasão, que convencimento ou sedução, que perdemos de vista sua função ética. Conversar serve para criar laços sinceros e reais. Com ele se funda o que chamamos sociedade cujo laço essencial é o amor, segundo Humberto Maturana, importante biólogo e filósofo chileno da atualidade.

Ninguém conversa mais

Desaprendemos de conversar por alguns motivos. Um deles é o descaso que temos com as palavras. Nem nos preocupamos em conhecê-las, não avaliamos a história da humanidade que nelas se guarda. Não imaginamos que palavras tão comuns quanto liberdade, memória, história, pensamento, prática, e tantas outras possuem uma vasta história. E não se trata apenas da etimologia, da origem dos nomes, mas da função simbólica, do que está guardado nas palavras como sentido que vai além delas e mostra o mundo humano dos afetos, sentimentos, desejos, projetos. Não apenas os poetas e escritores devem cuidar das palavras, mas todos os humanos.


 Quantas vezes parecemos conversar, mas isso não ocorre. 


Conversações estranhas, porque sem diálogo, aparecem quando numa festa, num encontro casual, ou na escola, no trabalho, ou mesmo em casa, contamos sobre um filme que vimos. A pessoa a quem nos dirigimos, quem deveria conversar sobre o que lhe dizemos, recorre imediatamente a outro filme que ela viu ou diz não gostar de cinema. Fazemos isso e assim nem conversamos sobre o filme assistido por quem narra o fato, nem o visto por quem o ouve. Perdemos a capacidade de prestar atenção no que foi dito. A capacidade de escutar está em extinção. Se usarmos outro exemplo perceberemos o fenômeno de modo ainda mais claro: quando alguém fala de seus problemas, o outro, aquele que deveria ouvir, sempre comparece com seus exemplos interrompendo a atenção necessária à exposição do primeiro, quando não chega a dizer “não quero ouvir, pois isso não me acrescentará nada”, como se conversar – o que fazemos de mais humano - fosse uma troca mercantil de lucros e ganhos. Ou ainda, interrompe com um “eu sei” prepotente, inviabilizando toda descoberta. Em outras palavras, nos tornamos – em graus variados - incomunicáveis. Em tempos de comunicação de massas, numa sociedade estimulada pela mídia que nem sempre cumpre com seu papel de comunicar, esta se tornou uma questão essencial.

Márcia Tiburi