Uma fotógrafa, uma
máquina e o mundo. Yanic é uma artista brasiliense que se criou no meio da
cidade. Vivendo, praticando alguns hobbies, se dedicando à academia (artes e comunicação social), e de
repente, lá estava ela, com uma grande -e diversificada em temáticas- produção
artística. Hoje, em entrevista ao Mondo Teeno, ela falará um pouco sobre
fotografia, cultura e sociedade.
Yanic, antes de mais gostaríamos de agradecê-la pela entrevista, sua fotografia é muito tocante e
sabemos que tem muito a mostrar ao mundo com ela. Vamos à entrevista!
1 1) Acreditamos que suas fotografias
representem bem as cidades, em um aspecto íntimo e personalístico, elas mostram
cenas, pessoas, lugares, sempre têm algo de humano, nem que seja um mínimo
vestígio. Como você escolhe as fotos que irá tirar? Que imagens tenta buscar?
Quando eu comecei a
fotografar ia no espírito de levar a câmera para qualquer lugar e fotografar o
que eu achasse que valia a pena. Isso criou um conjunto de imagens bem
familiares, de amigos, lugares cotidianos. Hoje em dia não faço mais isso, eu
costumo sair com a minha câmera, ou com uma ideia do que fazer, ou com a ideia de
fazer algo. Claro que eu faço foto cotidiana, mas a relação com a câmera mudou,
eu uso o celular para registros cotidianos e a câmera para tentar criar algo ou
registrar um evento bacana.
2)Gostaríamos que nos
falasse um pouco sobre suas influências artísticas. Sabemos que gosta da obra
retrato da juventude de Mapplethorpe, parece ter influências da arte pop, busca
trabalhar com afinco a luz e o sentimento nas fotografias. Quem são suas
referências?
Minhas referencias são
primeiramente das artes visuais e do cinema. Eu tenho como base, até pela época
em que nasci, toda a vibe dark do gótico dos anos 1980 e a estética fantástica
de Tim Burton. Esse é o meu imaginário básico, que não costuma aparecer nas
fotos mas é o que me atrai nos artistas em geral. Dentro das artes, eu gosto
muito do movimento surrealista que conta com artistas como Man Ray (que também
era fotógrafo) e cada vez mais incorporo a Pop Art. Os fotógrafos que mais me
inspiram sem dúvida são Diane Arbus, Richard Avedon, Robert Mapplethorpe e
Cindy Sherman. Todos esses artistas, com exceção de Richard Avedon, trabalharam
com o estranho, incomun, o não-visto. É isso que me atrai e me impulsiona. Além
desses, também gosto muito do tropicalismo brasileiro e toda a sua estética
musical e na moda. Impossível não pensar em Hélio Oiticica e também no modernismo
de Brasília, na minha formação, além de próprios produtos da cultura de massa
como programas de tv, novelas, filmes enlatados... verdade seja dita, sou uma
grande esponja cultural.
3)Há muitas menções à
música em sua produção, como esse aspecto sonoro teria influenciado a produção
de suas imagens? Quais músicos e bandas considera capazes de guiar uma boa
foto? Como mixar imagem e som sem cair na opção do filme?
Eu acho que música é o
que tem que te acompanhar em todos os momentos. O fato é que em cada foto que
eu escolho mostrar há a possibilidade de encaixar uma letra de música por que a
música diz muito sobre nossa própria vida, assim como as fotos. Eu tenho várias
bandas preferidas, teve períodos em que bandas como Placebo ajudavam a traduzir
bem minhas fotos, hoje em dia eu diria que eu tô numa onda mais nouvelle vague
francesa, entre Air e Serge Gainsbourg (seja lá o que isso significar).
4)O trabalho desse ano de
2013 ‘Beyond Beauty’ nos toca pelas tonalidades, por ser belo e, ao mesmo
tempo, ‘creepy’. Percebemos que a
estética do terror permeia algumas fotos suas. Como você entende a importância
desse aspecto em sua fotografia? Há uma
mensagem a passar?
Confira 'Beyond Beauty' Aqui! |
5)É possível
identificar oposições nas suas temáticas. O jovem e o velho, o belo e o feio, o
homem e a mulher. Qual a importância disso? Em que medida isso desperta o
interesse das suas lentes?
Eu acho que isso é
feito inconscientemente. Eu sou uma fotógrafa preguiçosa, não costumo procurar
temas (estou me acostumando a fazer ensaios), então eu aproveito o que está ao
meu alcance. No fundo, assim como Diane Arbus, eu procuro a beleza nos
contrastes e na estranheza.
6)Fale-nos um pouco
sobre o seu projeto de 2009, “Ser Tatuado”. Pudemos encontrar um apanhado bem
diverso da juventude brasiliense alí. Apesar de todos tatuados, vimos pessoas
bem diferentes tanto a nível de nichos
sub-culturais quanto a nível
socio-econômico, sabemos que foi um trabalho com viés acadêmico mas,
gostaríamos de entender de que outras
formas esse trabalho representa a sua produção.
Confira 'Ser tatuado' Aqui! |
7)Com grande felicidade, enxergamos a presença de animais domésticos em suas fotografias. São imagens
lindas desses companheiros. Elas passam um sentimento muito forte de
intimidade. Como os animais compõem esse cenário inspirador?
Animais são dificílimos
de fotografar. Eles não param quietos, eles não posam, eles não se importam com
a foto. Quando a gente tenta fotografar um animal a gente tem que se sujeitar a
ele e para o fotógrafo isso é uma perda total do controle que é próprio da
fotografia. Eu adoro fotografar bichos por que eles te olham nos olhos.
Inclusive, uma das minhas cachorras, ironicamente, não gosta de foto. Eu ligo, a
câmera ela sai de perto de mim, é bizarro. É claro que eu consigo fotografá-la,
mas só por que a gente tem uma relação de confiança. Além do amor genuíno que
eles expressam, isso é muito legal dos bichos.
8)Os trabalhos 'Paris e
O Amor' e 'London Calling' são lindos, são imagens não comuns desses dois grandes
epítetos da França e da Inglaterra, respectivamente. O que há da Europa na arte
que procura retratar? Como entende a oposição local/geral na fotografia que
busca fazer? Há espaço para ver a brasilidade ou estamos todos vendidos
culturalmente? Isso é importante em sua opinião?
Esses trabalho são
favorecidos pela ocasião. Quando a gente viaja pra Europa é inevitável o choque
cultural, principalmente para brasiliense acostumado com a nossa cidade
modernista. Para mim a grande diferença desses países é que lá as pessoas vivem
a cidade, elas saem de casa. Isso traz uma necessidade muito maior de ter
cidades em que as ruas sejam habitável e amigáveis para as pessoas. Eu acho que
a brasilidade nesses trabalhos se dá na medida em que eu retrato uma realidade
que tá fora da minha, eu estou sempre me posicionando ou como a turista ou como
a voyeur a procura de momentos que para mim são inusitados. Nesse sentido, eu
acho que vale a pena andar inclusive sem uma câmera, para viver aquilo, e depois
pensar na captura da imagem. Quanto à brasilidade, eu acho que sim ela é muito
forte no meu olhar. Primeiro por eu ter inevitavelmente esse espirito sacana
Macunaíma. Por outro lado, a gente aprende a valorizar a própria brasilidade
quando tá em outro país. Existe sim uma espécie de cultura colonizadora imposta
ao Brasil, mas nós somos o país do remix. Aqui a gente já nasce sabendo adaptar
tudo e isso é uma característica da nossa cultura. Eu não sei como a
brasilidade se encaixa exatamente no meu olhar, mas acho inevitável essa
sensação de olhar estrangeiro em fotos dessas cidades, acho que a diferença é
que eu não procurei os monumentos, eu procurei retratar mais os ritmos
urbanos...
Confira 'Paris e o Amor' Aqui! |
9)Alguns trabalhos seus
são frutos de estudos e necessidades acadêmicas, acreditas que para o artista a
academia seja uma escola ou um limitador? Como vê esse aspecto da criatividade
nesse ambiente?
Eu acho que depende
muito. Com a formação que eu tenho (em artes e comunicação) eu percebo que há
uma certa distancia entre a academia e a arte, mas ao mesmo tempo uma não vive
sem a outra. Os grandes curadores são acadêmicos, mas nem todo artista estudou.
A arte “embasada” foi vista muitas vezes como uma maneira de manter a arte com
as elites e manter a arte como um produto do que sai de uma grande escola e
tudo mais. Hoje em dia o que eu acho é que o meu trabalho como fotógrafa tem a
ver com o meio acadêmico, mas ele não depende da academia para existir. Pelo
contrário, meu interesse acadêmico pela fotografia necessita da minha criação
fotográfica (acho que todo pesquisador de fotografia vai falar isso). Então, no
meu caso, é um processo autoalimentado. Nos dias de hoje o que vale é que você
tenha conceito e consiga superar a cultura de massa, sem necessariamente negá-la,
que você diga algo mas não necessariamente se exponha (as vezes o mistério é o
que traz louvor ao trabalho) e seja atual (no sentido de ser digno de ser
noticiado). Na fotografia é mais difícil por que se tem a impressão de que
qualquer pessoa que domine uma técnica é capaz de produzir uma foto, sendo que
a técnica é secundária. Um bom fotógrafo não é o melhor fotógrafo, mas o mais
sincero. É preciso ficar atento para a linha entre a foto publicitária e de moda
e a foto de arte. Isso sem contar com o fotojornalismo e todos os subgêneros
que existem. A fotografia é um tema que muitas pessoas acham que já foi
resolvido, mas numa sociedade como a nossa eu acredito que ainda há muito para
se analisar e estudar.
10)Achas que na era da
reprodutibilidade técnica a fotografia é um produto sem aura, e portanto não
deve ser considerado arte, ou achas que a iconicidade da fotografia está para além dessas nuances?
Eu acho que a foto está
além da imagem e depende sim da intenção do autor. Eu considero que toda foto
que eu faço (com exceção de festas, eventos de família e tal) são criativas,
mas elas só se tornam artísticas quando eu desenvolvo um conceito. Um fotógrafo
como o Mapplethorpe só pode ser o que é por que o mundo da arte o aceitou, o
que possibilitou financeiramente que ele existisse como artista. E essa relação
existia também com a pintura e todas as outras formas de arte. O artista só
existe por que alguém o mantém, é uma bobagem discutir o caráter artístico da
fotografia principalmente na pós-modernidade. É preciso sempre lembrar que a
“crise” que as artes encararam quando a fotografia foi criada só evidencia uma
realidade: a elite sempre pagou pelas artes. Quando a arte se torna acessível,
a elite perde esse privilégio e passa a desvalorizar as novas possibilidades
artísticas. Claro que a discussão é maior, László Moholy-Nagy (diretor da Bauhaus), por exemplo, já via grandes
possibilidades artísticas dentro da própria fotografia, enquanto Baudelaire,
anos antes, sustentou firmemente que a fotografia NUNCA seria arte; anos mais
tarde Roland Barthes fala que a fotografia só registra e ignora toda a sua
complexidade (sua análise cabe muito bem para análise de conteúdos
publicitário) e anos mais tarde é tanto criticado como apoiado. Hoje, com a
‘vulgarização da imagem’, a relação que se tem é completamente outra, tem quem
não chame a fotografia digital de foto, tem quem pense que a fotografia morreu,
tem quem ache que ela está no auge de sua existência. Para mim, a fotografia é
um meio de criar significados e por isso tem grande capacidade artística, mas é
preciso não se iludir com os aparatos técnicos, o que faz a foto não é a
câmera, é o olho.
11)Você acredita que a
foto pode ser considerada um fator de consciência, no sentido de ser uma chave
para a memória, de fazer as pessoas se lembrarem de quem são, ou é a fotografia
um fator de ebriedade, lugar de transfiguração?
Os dois. A fotografia
muda toda a temporalidade dos acontecimentos e todo o regime de verdade. As
temporalidades mudam por que a foto marca o tempo, ela pode ser usada como
elemento de comparação de gerações e como uma maneira de validar atos sociais.
Nesse sentido, pensando até numa ideia mcluhiana, a fotografia é sim uma
extensão da sua realidade e, nos dias de hoje, isso é evidenciado pelo seu grande
compartilhamento. Você viaja para fotografar ou fotografa enquanto viaja? Ao
mesmo tempo, os artistas-fotógrafos (uma diferenciação feita por alguns teóricos)
buscam em suas fotos diversos meios de criar. A fotografia nesse sentido é
democrática, ela permite até ao amador desenvolver sua criatividade sem querer
necessariamente ser artista, basta ter uma câmera.
12) Numa fotografia
existe aquilo que o fotógrafo intencionalmente quis produzir e aquilo que o
escapou, tendo, porém, ocupado um espaço na imagem. A isso Barthes chamaria de
studium e punctum. O que pensas sobre as máximas psicológicas do consciente e
do inconsciente no que diz respeito a
capacidade do artista de ter controle sobre sua obra?
Eu acho que Barthes
fala de uma maneira muito objetiva da fotografia, não acredito que o importante
seja a listagem dos elementos que aparecem na imagem, essa análise nem sempre é
cabível, ele ignora a criação de cada ato fotográfico. Mas é compreensível por
que ele não era fotógrafo, sua relação não é tão direta. Eu acho que em obras
como as do movimento surrealista, há uma criação que pode ser intencionalmente
analisada e a de alguns artistas dizem muito sobre o próprio artista. Por
exemplo, na obra de Diane Arbus, diz-se que é possível compreender o
deslocamento social que causava a depressão que a artista sentia e que a levou
a cometer suicídio. Mapplethorpe era ninfomaníaco e isso se mostra claramente
durante toda sua obra. Alguns artistas usam a fotografia como uma maneira de se
tratar, outros para criar uma realidade que eles não possuem, outros para venerá-la, outros para eternizá-la... Richard Avedon, por exemplo, era um grande
retratista, tem uma foto clássica da Marilyn Monroe em seu auge em que é quase
palpável a tristeza de Marilyn. Essas pequenas verdades são visíveis em grandes
fotógrafos.
13) Fale um pouco sobre
seu projeto com a lomografia. E se entendes essa alienação frente às formas de
produção, inclusive da arte, em que a modernidade caiu, como um ponto de não
retorno. Está tudo perdido e devemos nos adaptar ou é possível estabelecer
alguns parâmetros para não perder de vez as estribeiras?
O meu projeto é sobre a
lomografia como uma forma de contra-movimento à fotografia digital. Eu vou
analisar alguns grupos de fotografia de Brasília e a avaliar por que se faz
fotografia analógica em uma realidade em que sequer é necessário ter câmeras
para produzir fotos. Daí, eu vou fazer uma análise sobre a relação entre
técnica e ideologia e o que mais eu encontrar no caminho. Eu sou otimista, acho
que a nossa sociedade imagética ainda vai se modificar e vamos finalmente nos
acostumar com as imagens a parar de venerá-las. A própria persistência da
fotografia analógica e todo o ritual de revelação de filme muda a relação das
novas gerações com a própria imagem. A visão de que engolimos tudo sem
modificar nosso imaginário, nossa relações com o que reproduzimos para mim não
convém, é uma supersimplificaçao. Não somos só receptores passivos, ciborgues
programáveis, cada dia mais as coisas mudam e novos significados surgem.
14)Está lendo algum –
ou alguns – livro no momento? Se sim, qual? Conte-nos algo sobre ele. Que
tipo de literatura te inspira a fotografia?
tipo de literatura te inspira a fotografia?
Agora que estou de
férias, estou voltando a ler alguns livros que tavam ali parados. Atualmente eu
tô lendo o “Deuses Americanos” do Neil Gaiman e “God Desolution” do Richard Dawkins e um quadrinho do Sandman. Na lista de espera estão o Firestarter do
Stephen King e os três Fundação do Asimov... eu gosto muito de ficção cientifica e
fantasia, inclusive tô com uma ideia de fotografar uma morte com ceifão e tudo
mais. Eu curto muito essa ideia de você pegar uma ideia e transformar em uma
criação visual, principalmente por que esses gêneros têm sim uma estética
fantástica. Eu também acho inspirador os monstros e tudo que envolve eles. O
medo, o horror, o tosco, o indescritível. Eu acho que todos esses sentimentos
literários também estão na fotografia.
15)Deixe uma mensagem
para a juventude e para os leitores do Mondo Teeno!
Não se deixem levar
pela leviandade dos novos meios, produzam antes de reproduzir!
Mais em:
http://mundonic.wordpress.com/
http://www.pinterest.com/havalina/pins/
http://www.flickr.com/photos/kamiquase
http://offdeath.wordpress.com/author/havalina/
Nenhum comentário:
Postar um comentário